“Os sonhos, que têm muito para nos ensinar acerca da natureza da alma, retratam por vezes as muitas formas que temos de estar ligados ao passado. (...) Na vida exterior, podemos deixar uma pessoa ou um lugar mas, na memória e nos sonhos, a alma agarra-se a essas ligações passadas ”
Thomas Moore – Em busca da Alma Gémea.
I – O Duelo
Acácio Trigueiro temia em deixar de respirar para sempre. Estava já a ficar sem visão e as suas pernas badalavam, enquanto aquela garra lhe comprimia a vulnerável veia jugular, não exibindo vontade de afrouxar.
Acácio não tinha hipóteses de altercar. Conhecia o opositor. Já o tinha defrontado há cento e noventa anos atrás. Derrotara-o, é certo, mas agora ele estava mais forte, mais eficaz e regressara com uma voraz sede de vingança.
- Onde está ele? – Berrou o ser hediondo.
Em sufoco, Acácio tentou responder, mas não conseguia sequer respirar. Sentiu, por breves momentos um alívio na sua garganta, mas ainda assim, continuava sufocado.
- Diz-me!... Onde está? – Insistiu a “coisa”.
-Não sei, imbecil! - Respondeu ele com dificuldade.
- Então morre, “Albuquerque”! – Roncou, arrojando a cabeça do velho Acácio contra uma lápide, deixando-o imobilizado no chão, a esvair-se em sangue. A criatura distanciou-se vagarosamente do local. Galgou para o seu imponente cavalo e partiu a galope, afastando-se rapidamente, largando um rasto de poeira que se confundiu com o nevoeiro denso e húmido que se abatera na noite. Era um ser sinistro. Estava mais assustador do que nunca. O velho Acácio não queria acreditar no que lhe estava a acontecer. Ainda tombado no chão, sentiu-se a desfalecer. Reviu a sua vida a trespassar-lhe a memória. Recordou-se dos seus filhos, ainda crianças; lembrou-se do seu casamento. Fixou o olhar na lápide da sua defunta e amada Filomena. Depois reviveu a sua juventude a bordo do submarino Albacora (1), onde navegara inúmeras vezes, e combatera durante a guerra Colonial, como 1º sargento.
«Como vou fazer para encontrá-lo, antes da coisa?», pensou.
Teria de ser mais inteligente. Deixaria que a sua alma o guiasse e conduzisse até aquele inocente que vivia o seu dia-a-dia sem imaginar o “mal” que agora o procurava.
Enquanto pensava nisto, Acácio reuniu forças para se levantar. Segurou-se à lápide onde jazia a sua eterna amada e pôs-se de pé. Sangrava abundantemente do flanco esquerdo da cabeça. Olhou em redor e examinou o ambiente sinistro que o cemitério emanava. As cores do crepúsculo tinham sido rendidas por uma lua tenebrosa, e a noite parecia mais escura do que nunca. Escutou o ribombar de um trovão e aguardou que o refrigério da chuva lhe acariciasse o rosto velho.
Cambaleante, com a sua longa gabardina despregada ao vento, Acácio parecia um “zombie” a escapar de um jazigo. De facto, ele era isso mesmo: um ser moribundo, entre a estreita linha que separa a vida da morte. - Vou encontrá-lo, antes “dele”! – Jurou em voz alta, enquanto procurava um portão para abandonar aquele local medonho.
II -Nunca adormeças profundamente
A manhã despertara pálida e chuvosa. O ambiente na escola secundária das “Cavaquinhas” estava agitado. Os alunos faziam greve, reivindicando melhores condições nas salas de aulas, onde chovia sempre durante o Inverno. Seguidamente, os ânimos exaltaram-se, e a policia começou a “aconchegar” alguns alunos mais atiçados, o que fez com que Ricardo Gonçalves abandonasse o local, e voltasse para casa a fim de evitar confusões.
As aulas tinham começado há pouco mais de um mês, mas Ricardo já estava enfadado da escola, dos professores e até da sua própria turma. Órfão de pais, vivia no Seixal com os seus Tios, José e Magda. Sobrevivera a um violento acidente de viação quando tinha nove meses. Não se lembrava de nada, mas sabia que tinha sido dessa forma trágica que os seus pais tinham falecido.
Ricardo seguiu a pé até casa, pois esta distava apenas um quilómetro da escola. Caminhou, aparentando ser um rapaz alegre, mas na realidade, não era. Por vezes, ficava tenso e sombrio. Especialmente, quando era atormentado por pesadelos. Não eram pesadelos vulgares. Acordava sempre muito confuso, sem saber o que tinha acabado de sonhar. Depois permanecia alguns minutos a tentar diferençar o que era sonho e o que era realidade. Durante o dia, esforçava-se por não pensar nos pesadelos que o atormentava de noite.
Olhou em várias direcções antes de atravessar a estrada, mas logo que lhe pôs o pé, foi surpreendido por um ronco de um carro acelerado, que surgiu logo a seguir à curva. Para surpresa dele, a viatura deteve-se mesmo à sua frente.
Ricardo olhou de soslaio, e a sua mente criativa fê-lo imaginar se aquele individuo não seria um agente do “SIS” (2), que andava a seguir os manifestantes para os identificarem, e seguidamente, prenderem. O jovem estudante sentiu-se pouco à vontade e sem reacção, mas ainda teve tempo de observar a viatura que o seguira. Era um “Mercedes” preto. Fixou também o rosto do condutor. Tinha uma fronte velha, um rosto barbudo e usava um boné preto. O estranho fumegou o seu cachimbo de “roseira brava”e fixou-o com um ar ameaçador. Depois arrancou com o carro numa velocidade moderada, abandonando a rua subtilmente. Confuso, sentou-se no passeio; respirou profundamente e visualizou mentalmente, o rosto do homem, mas pareceu-lhe estranhamente inofensivo. Decidiu ignorar o incidente e voltar para casa.
Quando chegou à residência, Ricardo fitou a sua tia Magda no exterior do quintal a borrifar as sebes ornamentadas com cameleira.
- Olá Tia. Estou um pouco cansado. Vou pró meu quarto. – Disse vagamente.
Arremessou a sua mochila para o canto e caiu estatelado na cama. Olhou para o tecto, e ainda matutou durante algumas horas no que lhe acontecera, mas sentia-se tão extenuado que acabou por adormecer. A acalmia da noite fora interrompida pelo latir de um cão. Não era um ladrar normal, algo se passava lá fora. Levantou-se apavorado, ficando na dúvida, se devia descer ou ficar protegido e resguardado no seu quarto. Algo invadira a casa. Não era alguém, era “algo”. Susteve a respiração durante alguns segundos para poder escutar melhor o que estava a acontecer. Pareceu-lhe ouvir um arrastar pesado. Aproximava-se vagarosamente do seu quarto e vinha matá-lo. Decidiu fugir. Era a única solução que lhe restava. Abriu a janela, galgou o parapeito e saltou para a cobertura onde balouçou, tentando obter algum equilíbrio. Tomado pelo terror, tomou balanço e saltou para o chão. Era uma queda de três metros, mas se aquela “coisa” o apanhasse, por certo seria bem pior.
Caiu no chão duro e sentiu o tornozelo a estalar. Conseguiu levantar-se e afastou-se, penetrando no pinhal que se estendia na retaguarda da sua casa.
Ricardo correu até não poder mais. Estava ofegante e exausto, pois já não tinha fôlego. Decidiu parar. Ouviu Dingo, (o seu cão e amigo) a ladrar. O latido fora interrompido por um ganido agudo e doloroso. Aquela coisa tinha esquartejado o pobre Dingo.
Fez-se um silêncio de morte, e apenas o rumorejar do vento arrefecido entre as vinhas espessas, mantinha desperto o silêncio da noite. Nem os excêntricos espantalhos que guardavam a plantação se moviam. Pareciam ter horror do que se aproximava. Já não restava fôlego nem forças ao pequeno para se mover. O seu tornozelo também não suportava mais. Começou a arrastar-se, fazendo impulsão com os braços, puxando o resto do corpo para a frente. Os caniçais começaram a mover-se. Algo caminhava na sua direcção. Acolheu uns pingos húmidos na testa. «Começou a chover» imaginou; Olhou para cima e gelou-lhe o sangue ao avistar a criatura monstruosa que o contemplava, encharcada em algas e empastada com musgos lamacentos. O ser agarrou-o pelo pescoço com violência, e ergueu-o até ao nível da sua face desfigurada. Quando Ricardo olhou de frente para o opositor, soltou um grito gutural de terror.
- Ricardo, Ricardo! – Era a tia Magda quem o abanava bruscamente – Estavas a ter um pesadelo, meu querido. Tem calma!
-Tia Magda!... Que pesadelo horrível! – Balbuciou ele, enquanto despertava confuso e amedrontado.
Passou a mão pelo cabelo e pela testa; estava alagado em suor; tentou recordar-se do pesadelo e do rosto daquela coisa, mas rapidamente a imagem fugira-lhe do cérebro.
III – A verdade oculta no tempo
Ricardo não era adepto de desportos radicais, mas naquela sexta-feira decidira ir até ao “parque da siderurgia” decidido a assistir às acrobacias que os praticantes destes desportos executam durante as suas “performances”. Além disso, estaria lá a Cátia Faleiro com a sua «Bike» voadora. Para ele, isso era sinónimo de espectáculo. Cátia era uma garota de catorze anos, que frequentava o 9º ano, mas por quem ele tinha uma grande fixação. Não só por ser uma adolescente bonita, mas por tudo o que ela conseguia fazer em cima daquela «Bike». Era uma arrebatadora de prémios e de corações também.
O jovem sentou-se em cima do tronco de um carvalho e ficou a admirar a miúda a voar na sua «Bike». Inesperadamente, apercebeu-se que alguém o observava. Era aquele homem que o perseguira naquele dia, à saída da escola. Reconheceu-o pelo odor do tabaco que soltara do seu cachimbo. Observou o homem e percebeu que este tinha começado a caminhar na sua direcção.
Hesitou entre fugir devagar ou a correr. Mas a sua coragem levou-o a ficar ali quieto, à espera do homem misterioso.
- Olá. Não tenhas medo de mim, Ricardo!
- Como é que sabe o meu nome? – Perguntou com o rosto pleno de admiração.
- Eu sei sobre tudo sobre ti, rapaz – exclamou o velho, fixando-o.
- Desculpe, mas isso não é possível.
- É possível, sim. Sabes porquê?
- Não...
- Porque tu e eu temos os mesmos sonhos. Os mesmos pesadelos - Exclamou o velho.
- Eu não tenho pesadelos nenhuns. – Respondeu Ricardo apressadamente.
- Tens! Eu sei que tens. Sonhas com um casa no campo, com o teu cãozinho, Dingo. E depois...com o monstro!
- Como é que sabe tudo isso?
-Porque já vivemos outras vidas, tu e eu. E há muito, muito tempo atrás, nós dois enfrentámos o monstro.
- Que monstro? – Indagou Ricardo, perplexo.
- O conde Darkmoon!
Aquele nome tinha-lhe soado estranhamente familiar. Como era possível?
- Alguém ou algo o ressuscitou – Continuou o velho Acácio – e agora ele anda desesperadamente à tua procura, Ricardo.
- E agora? O que posso eu fazer? – Balbuciou.
- Tens de confiar em mim e vir comigo. Vamos fazer uma viagem no espaço e no tempo.
Ricardo abandonou o parque da siderurgia com o velho Acácio trigueiro. Depois enfiou-se dentro do Mercedes com ele e seguiram viagem em direcção ao Minho.
IV – A casa de Sezim
Do meio da penumbra, como que disfarçada nas sombras, surgia a casa de Sezim. Só o vento se fazia ouvir pelo meio das árvores arrogantes que flanqueavam aquela imensa construção. A casa preservava as suas linhas harmoniosas, bem como toda a sua nobre monumentalidade. Acácio parou o Mercedes em frente ao edifício e observou a perplexidade no olhar de Ricardo ao vislumbrar a extravagante construção que se erguia perante ele.
Estava decrépita, pois já não era habitada há cerca de setenta e cinco anos. A casa de Sezim situava-se em Guimarães, primeira capital de Portugal, e fora doada aos primeiros proprietários por D. João Freitas, companheiros de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal.
Fora uma casa senhorial de raiz agrícola. Uma excepcional propriedade erguida no século XIV, onde viveram grandes senhores feudais, proprietários de grandes cultivos e produção de vinho verde.
Agora era apenas um “museu” para ratos e aranhas.
Não existiam quaisquer vestígios urbanos num raio de alguns quilómetros. Parecia que o tempo tinha parado nos meados do Sec. XIX e assim tinha permanecido.
Depois de o seu ultimo proprietário (um conde Inglês) ter misteriosamente desaparecido em 1809, a Casa de Sezim nunca mais fora habitada por mais ninguém, nascendo assim o rumor da «velha casa assombrada.»
Ainda houve alguns viticultores que tentaram relançar a produção vinícola na região, mas com o aparecimento da Filoxera (*), as empresas acabaram por falir.
Em 1930, o estado instaurou uma acção executiva e apropriou-se da propriedade, deixando-a ao abandono.
Não foi preciso forçar o portão principal para penetrarem, pois apenas restavam algumas tábuas pregadas, que rangiam estridentemente quando arrastavam pelo chão. Acácio ia na frente e iluminava o corredor com uma lanterna a pilhas que retirara do seu bolso.
Já no interior da casa, ambos pararam a contemplar a sua decrépita elegância: As paredes do salão nobre ainda se revestiam com um papel pintado de rara beleza.
O seu tecto muito elevado, conferia uma estatura descomunal ao hall de entrada. Do cimo do tecto descaía uma enorme e aterradora teia de aranha, que pendia desleixadamente. Parecia estar ali para confirmar o abandono humano de décadas e décadas. Havia poeira no ar que se soltava do chão, após cada passada de cada um deles. Da cave, soltava-se um escarpelar manhoso das ratazanas a progredirem pelo solo. «É mesmo uma casa assombrada» pensaram. Acácio tomou a iniciativa e começou a subir a escada que o levava ao piso superior. Achou que devia verificar os andares de cima em primeiro lugar, pois se alguém os esperasse para atacar, seria ali que se colocava, pois tirava maior vantagem posicional. Aprendera esta táctica na guerra.
-Não há ninguém, aqui! – Exclamou após ter revistado os quartos do andar de cima.
-Parece-me que aqui em baixo, também não! – Retorquiu Ricardo com uma entoação de alívio.
Um estrondear vigoroso de um trovão suspendera o silêncio sepulcral que se sentia na casa e a chuva começou a cair vigorosamente. Lá fora, o vento bramia zangado, forçando os carvalhos a balancear como se quisessem fugir do solo. Toda a casa rangia como se fosse um barco à deriva no mar alto. Caiu a noite e a casa ficou mergulhada numa acentuada penumbra.
- Temos de iluminar este lugar! – Advertiu Acácio.
Ricardo observou-o, e no momento em que o velho passou em frente de um espelho fixo na parede, ele notou que a imagem reflectida não fora a de Acácio Trigueiro, mas a do velho Albuquerque, com quem ele sonhava por vezes. Sentiu um formigueiro subir-lhe pela espinha.
- Sim, vou arranjar alguma madeira seca para fazer uma fogueira. – Sugeriu Ricardo.
- Nós já estivemos aqui! – Argumentou o velho Acácio, colocando as mãos sobre o lume para as aquecer
- Como é que é possível, já termos estado aqui? – Inquiriu, o miúdo com o seu ar curioso.
-Eu explico-te. – Replicou ele calmamente, retirando o cachimbo do seu bolso.
– Trabalhámos nesta casa em 1808. Eu era o teu avô e laborava nas vinhas, lá mais atrás. O Conde Darkmoon era o dono de toda a região.
- Como sabe tudo isso? – Inquiriu Ricardo com o seu rosto sagaz.
- Fiz terapia de regressão... há trinta e oito anos atrás! Ainda durante a Guerra do ultramar, eu estava na marinha e fui destacado para embarcar no submarino Albacora. Mas em Janeiro de 1962, o navio teve uma grave avaria e teve de atracar de urgência em Cabo Verde, permanecendo num estaleiro durante uma semana. Enquanto o reparavam, decidi fazer algumas expedições pela selva, onde acidentalmente, conheci uma jovem de nome Hadija Aljani, feiticeira de uma tribo chamada “Sarparra” (cortadores de cabeças).
Ela disse-me que eu era perseguido por um vulto das trevas, então insistiu em me hipnotizar para me ajudar a perceber o meu passado. Só assim conseguiria livrar-me do mal que me perseguia há séculos. O que vi diante dos meus olhos foi um horror terrível e inexplicável…
V - O Conde Darkmoon
António Albuquerque era um modesto cultivador de uvas na região Minho. Herdara dos seus pais um terreno com alguns hectares para o cultivo de das suas vinhas. Albuquerque era viúvo de Carolina, que falecera ao dar à luz, a pequena Maria. Albuquerque vivia com o seu neto, o pequeno Manuel. Este, ainda jovem, já se mostrara um excelente lavrador, embora passasse a maior parte do tempo a brincar às escondidas com o seu cão, Dingo.
O ano de 1808 tinha principiado, e segundo os agricultores mais experientes, aquele iria ser um ano intrincado para os produtores de vinho. Por um lado, as intempéries dificultariam o cultivo; por outro lado, as invasões francesas tinham deixado os produtores com medo de investir. Quando a crise se agravou, os agricultores que se dedicavam em exclusivo ao cultivo das vinhas, foram obrigados a transformar os seus negócios, em domínios feudais, para evitar a ruína e a falência
Foi neste quadro que António Albuquerque conheceu o Conde Darkmoon – Um poderoso senhor Feudal inglês.
O conde era um jovem distinto e excêntrico, proveniente da alta nobreza Inglesa, encarregando-se de dinamizar a actividade mercantil da época: importação de diamantes, provenientes de África, exportação de matéria-prima para a Europa, entre outras, menos transparentes. O poderoso Conde apropriou-se dos terrenos dos pequenos e médios proprietários, transformando a região norte do país numa grande propriedade feudal. Os proprietários não tinham alternativa: Ou resistiam ao poder do conde, (o que lhes custava posteriormente, uma pilhagem por parte dos seus bárbaros capitães donatários) ou entregavam as terras a Darkmoon, que lhes garantia trabalho e protecção, através da cobrança do respectivo dízimo. António Albuquerque optou pela segunda hipótese.
No dia 2 de Março de 1805, veio uma notícia que abalou toda a região. Um acontecimento macabro e sangrento derrubara a família dos Condes: a filha do Conde Darkmoon, a pequena Cinthya, de sete anos, fora brutalmente violada e assassinada, numa zona recôndita da Casa onde ele habitava – A casa de Sezim! O assassino andava a monte. Dois meses depois, uma outra criança, desta vez um rapaz de doze anos, filho de um dos agricultores, fora igualmente violado e assassinado. O seu corpo fora encontrado nas margens do rio Tâmega, alguns dias depois. Inexplicavelmente, os crimes macabros, não tinham fim. Em poucos meses, sete crianças tinham sido monstruosamente violadas e barbaramente espancadas até à morte. Não havia explicação para o que estava a acontecer. O assassino tardava em ser capturado.
VI - O Reino do terror Na véspera de Natal de 1808, o Conde Darkmoon dera um grande festim na sua luxuosa casa. Havia um majestoso baile de gala, muita animação, presentes para todos e um deleitante jantar. Uma festa que servia apenas para a grande – Nobreza, ostentar os seus luxos e comparar as suas riquezas. Todos os agricultores do domínio do Conde e suas famílias foram obrigados a servirem no Palácio durante o banquete.
Enquanto a festa decorria, o pequeno Manuel Albuquerque, fugira do trabalho duro da cozinha e escondeu-se no meio dos loendros à procura da sua amiga Madalena. Inesperadamente, um pequeno esquilo saltou-lhe à frente e fez-lhe uma graça, como se o cumprimentasse. Atraído pelo simpático animal, decidiu persegui-lo. O bicho penetrou pelo grande jardim que havia nas traseiras do palácio e seguiu em diante, através dum longo e estreito carreiro de arbustos ornamentados. Manuel perseguia velozmente o animal. Ao fim de percorrer aproximadamente cem metros, apercebera-se que estava perdido e que o esquilo desaparecera também. Tentou encontrar o caminho de regresso, mas fora infrutífero, pois o Palácio era rodeado por uma extensa área florestal. Manuel continuou a andar em círculos, até que “algo” o fez parar; parecera-lhe ouvir vozes. Escutara um breve sussurrar que provinha de uma cabana mal iluminada que havia lá ao fundo. O jovem acercou-se da pequena cabana, dando pequenos e comedidos passos para não fazer barulho. Ao abeirar-se de uma das janelas, viu o Conde Darkmoon.
«O que fazia ele ali?» pensou.
No interior da cabana, ardiam centenas de velas pretas, que descreviam um pentagrama satânico em redor do Conde, que se detinha todo nu. Ele estava ajoelhado e vociferava palavras estranhas, ora inclinando o corpo para o solo, ora levantado o dorso. Grunhia numa língua que Manuel não percebia.
“Non volo moriture,
Mors ultima ratio.
Cuique suum,
Ex dono,
Sustine et abstina,
Testis unos, Testis nullus”. (3)
Ansioso, esticou-se para conseguir ver melhor aquele cenário de horror, apercebendo-se que o Conde não estava sozinho lá dentro. Ouvira chorar. Era um choro abafado e aflitivo, mas ainda assim, era um choro.
Olhou para o canto da cabana e as veias gelaram-lhe com o que viu: a pequena Madalena, de 11 anos, estava completamente amarrada junto à parede. Darkmoon preparava-se para a esventrar com uma adaga “árabe” longa e pontiaguda. Manuel não conseguira conter-se com o choque e soltou um gemido. O assassino interrompeu o seu cruel movimento e os seus olhos loucos fixaram-se na janela. Apercebera-se que estava alguém lá fora. Vestiu uma capa sobre o seu corpo nu e saiu para o exterior.
-Escusas de fugir bastardo! Eu apanho-te! – Resmungou num tom ”sem-vida”, mas mortalmente ameaçador.
Manuel correu a toda a velocidade. Não sabia em que direcção fugia. O maldito Conde perseguia-o, mas não vinha a correr, vinha a cavalo. Ouvia o resfolgar do animal e um intenso galopada no seu encalço. A imagem da pequena Madalena não lhe saía da cabeça. «Estaria viva, ainda?» pensava cheio de pena e sem fôlego. Quando por fim, as suas pernas se escusaram a correr mais, caiu no chão, completamente esgotado e vencido pelo cansaço. Não conseguia controlar a sua respiração, nem dominar o medo. Voltou a levantar-se e tentou correr novamente.
Dera três passos e sentiu os seus pés a levantarem-se do chão. Um braço forte, tinha-o agarrado com bastante força. Olhou para cima e, ao ver o corpo enorme de um adulto, começou desesperadamente aos pontapés.
- Tem calma Manuel! Por onde tens andando? Já percorremos tudo à tua procura! – Bradou António, tentando acalmar o seu neto.
- Avô! – Gritou em desespero – Temos de fugir daqui, pai!
- O que se passa? Por onde tens andado, miúdo? Manuel contara ao avô, tudo a que assistira no meio do bosque. Avisou-os de que o medonho conde o perseguia para o matar, tal como tinha feito com as outras crianças.
António Albuquerque regressou para sua casa naquela noite. Ele sabia que o conde Darkmoon ia aparecer. Ele era o assassino, era um monstro. Matara oito crianças inocentes, incluindo a sua própria filha. Violava e matava-as no bosque que se estendia para lá da sua casa. Por isso, nunca fora apanhado. Agora, havia uma pessoa que podia identificar o assassino: o inocente Manuel.
VII - À espera do Monstro
Era véspera de Natal, e todas as famílias estavam reunidas, numa mesa farta com comida, bebida e doçarias. As crianças esperavam ansiosas, pela hora de abrir os presentes. Todas, excepto a família Albuquerque. Estes tinham uma contenda pela frente e não era uma contenda qualquer. Tinham de enfrentar o mais macabro dos assassinos, o homem mais poderoso da região: o Conde Darkmoon.
António Albuquerque naquela noite teve uma ideia fulgurante. Um fabuloso plano para escapar às garras sangrentas de Darkmoon.
Era madrugada e a neblina adensara-se. Manuel estava acordado no seu quarto e aguardava pela chegada daquele homem demoníaco, que vira dentro da cabana, com a pobre Madalena. Ele tremia de medo. Ouvira Dingo a ladrar. Não era um latido normal. Rosnava e babava-se. Dingo só ladrava daquela maneira, quando pressentia a presença de estranhos. Era ele. Tinha chegado. Manuel escutou os vagarosos e calculados passos do inimigo a aproximarem-se do seu quarto. Esperou mais um pouco. Levantou-se, abriu a janela e saltou para o telhado. Deste, saltou para o solo, cumprindo a rigor tudo o que fora combinado com o seu avô. Caíra mal e sentiu algo a estalar no seu tornozelo, mas não desistiu. Levantou-se e desatou a correr em direcção às vinhas.
Ouvira um Latido agudo e aflitivo, vindo do interior da casa e a seguir, tudo ficou silencioso novamente. Tinha acabado de matar o Dingo. Aquele monstro esventrara o seu melhor amigo. Manuel pressentia que estava a ser seguido. Ouvia as densas passadas de Darkmoon por entre as vinhas, mas quanto mais perto estavam, mais forças adquiria para fugir. Tropeçou e caiu. Tentou levantar-se, mas já era tarde demais – já estava cativo nas suas garras.
-Pensavas que podias fugir de mim, meu puro anjo? – Roncou ele de modo ameaçador. Manuel sentira-se desfalecer. Rezou por Deus. Tudo estava perdido.
-Larga o meu neto, Darkmoon! - Era a voz de Albuquerque. - Ou senão, encho-te de porrada! – Ordenou ele num tom intimidador, apontando a arma à cabeça do Conde.
-O quê?...Como é que sabiam que...Malditos sejam! – Praguejou o Conde assombroso. Darkmoon levantou os braços em modo de rendição, mas num gesto brusco, puxou da sua “Pedersoli”(4) e disparou contra Albuquerque, ferindo-o na perna esquerda.
Quando Darkmoon se preparava para disparar o segundo tiro, Manuel despejou-lhe uma garrafa com aguardente de medronho para cima da sua longa capa, deixando o Conde, meio aturdido. De imediato, Albuquerque, voltou a agarrar na sua arma e despejou-lhe dois tiros no peito. Por fim, ateou fogo a um archote e atirou-o para cima do inimigo, que o fez explodir em chamas.
Albuquerque ergueu o seu neto do chão e alojou-o no seu colo. Depois correu em direcção a casa. Darkmoon não conseguira apagar as chamas da sua roupa e em desespero, correu pelas vinhas a gritar nem um possesso. Não tinha a noção para onde ia. Estava completamente envolto em chamas. Ia morrer como merecia. Por fim, acercou-se do poço, que havia junto à casa e atirou-se lá para dentro. Já não suportava o calor das chamas no seu corpo. António Albuquerque espiava a trágica cena através da janela, mas não se limitou apenas a observar. Saiu para o exterior, e ordenou ao seu neto que apanhasse todas as pedras que encontrasse. Seguidamente, aproximaram-se do poço, e começaram a atirá-las ao conde Darkmoon.
-Por favor! Não me matem! Deixem-me viver... – Grunhia ele com a voz empastada, ecoando na noite. Indiferentes aos gritos de suplicia do Conde, avô e neto, não pararam de lhe arremessar pedras, até que estas cobrirem a cabeça do Demoníaco assassino.
«O monstro estava morto. Tinha sido feita justiça.»
Este foi o sentimento que dominou a consciência de António Albuquerque, depois de olhar para o poço, que agora sepultava um assassino medonho e macabro.
Ali jazia um monstro. Ali tinha de permanecer. Seria como uma jaula, uma prisão sob pedras. Desmancharia o muro do poço e plantava-lhe uma árvore em cima. Ninguém havia de saber o que se tinha passado na noite de Natal de 1808.
VIII - O Retorno
- Que experiência estonteante, meu Deus! - Silvou Ricardo, esfregando a cara.
- Já percebi, porque nunca gostei do Natal!
- A resposta para essa e outras questões está aqui, meu amigo! – Exclamou o velho sábio, retirando um pequeno livro do interior do seu sobretudo.
- O Que é? - – O diário de Darkmoon! – Proferiu ele, exibindo o livro como se fosse um troféu.
- O Diário de Darkmoon? Como o obteve? – Questionou, Ricardo indignado.
- Através de um padre corrupto. Não me perguntes como foi parar às mãos dele, mas julgo esse padre eram um seguidor secreto do Conde Darkmoon. – Disse calmamente.
Ricardo recebeu o diário das mãos ásperas do velho marujo. Abriu uma página ao acaso e começou a ler em voz alta:
- «Domingo, 23 de Abril de 1808
Hoje, soube através do Doutor Gordon, que vou morrer dentro de três meses. Tenho uma doença incurável, que nem ele sabe o que é. Depois da morte de Gloria, minha esposa, só me resta a minha querida Cinthya. Sinto-me perdido e desesperado.»
Voltou a desfolhar o diário e abriu-o outra página mais à frente, e continuou:
«Quinta-feira, 4 de Junho de 1808
Hoje fui à caça. Apeteceu-me desfrutar dos prazeres da natureza e de me exercitar um pouco. Contudo, fui vítima de uma experiência agonizante. Fui atacado por uma cobra que saltou do cimo de uma árvore e se enrolou na minha perna. Fiquei petrificado de medo. Se não tivesse sido a bravura do soldado Boamorte, teria morrido de pavor. A pior morte que algum dia poderia ter, seria no meio de cobras....»
-Bem, pelo menos, já ficámos a saber, o que fragiliza o nosso inimigo. – Ripostou Ricardo, continuando a desfolhar o diário, até que parou numa página e recomeçou a ler:
«Terça-feira, 1 de Março de 1808
Hoje conheci um curandeiro indiano, Mohammed – Al-Saduk, de seu nome. Este disse-me que eu não tinha doença nenhuma. Estava sim, possuído pelo Demónio; e para exorcizar o Demónio, teria de desflorar 9 virgens.
Que Deus me perdoe, mas eu não quero morrer»
- Darkmoon não se limitou a violá-las. Ele matou-as, para que elas não pudessem acusá-lo mais tarde. Manuel seria a ultima criança que Darkmoon iria desflorar. – Completou Acácio. - Ou seja, o outro eu...
-Bom, meu amigo! – Bradou o velho – Não há tempo a perder. Vamo-nos concentrar no que temos de fazer.
Após aquela experiência ambos sabiam que estavam perante uma nova ameaça. Afinal, Darkmoon não morrera completamente. Algo o tinha feito regressar das trevas. Podiam ter sido vários rituais de alguns dos seu seguidores, podia se o alinhamento dos planetas, pois decorria o ano de 1999 e decorria o mês de Novembro. Segundo as previsões de Nostradamus, o mal iria renascer sob várias formas, e uma delas seria Darkmoon, concerteza.
De novo juntos naquela mesma casa onde tudo acontecera há 191 atrás, avô e neto teriam de voltar a unir forças; tinham de voltar a edificar um plano tão perfeito, como aquele que tinham realizado há quase dois séculos. Não podiam perder tempo, Darkmoon vinha a caminho e estava disposto a derramar-lhes o sangue.
XIX - Uma Memória sombria
A noite já ia longa quando todos se aperceberam da comparência silenciosa de Darkmoon. Darkmoon envergava uma extensa capa de couro, que se alongava desde o arcaboiço, até aos pés. Era muito alto, devia ter um metro e noventa e cinco, ou mais; enfiava um bizarro chapéu de feltro púrpura na cabeça, cuja sombra lhe escondia o rosto misterioso. Darkmoon sabia onde estavam os seus adversários, por isso estava ali.
Começou por regar a casa com álcool. Deitou uma chama para o solo da casa velha e deixou as chamas treparem pelas paredes, até ao tecto. Esperou. Eles haviam de aparecer a qualquer momento, asfixiados pelo fumo e pelo calor.
A nobre casa de Sesim, em poucos minutos, ficara completamente consumida pelas chamas, mas nem sinal dos opositores de Darkmoon. Confuso, apercebeu-se de que, aqueles que perseguia, já não estavam dentro da casa. Tinham fugido. A sua posição fora denunciada quando pegou fogo à decrépita construção. Nesse momento, ouviu uma tábua a partir-se. Um corvo adejou, vindo do interior do celeiro abandonado que existia a cinquenta metros da casa velha - Eram eles!
Darkmoon dirigiu-se à velha arrecadação com a sua Pedersoli em punho. Abriu a porta central, devagar. O interior do depósito estava todo iluminado com fachos, meticulosamente amarrados às paredes. Ao fundo, vastos montes de feno, amontoavam-se, entre ferramentas e alfaias rurais. Subitamente, do meio dos aglomerados de pasto, surgiu o pequeno Ricardo. Olhou para Darkmoon e viu-lhe o rosto pela primeira vez: «Era hediondo» pensou. Uns grandes olhos verdes e desumanos observavam-no como se o quisessem dominar.
Ricardo tremia de medo, enquanto continuava a fitar o seu opositor:
-Estou aqui, Conde Darkmoon! Sou eu quem tu procuras. Deixa o meu avô em paz! - Balbuciou com a voz a tremer, mas com os olhos firmes. Mas a criatura nada dizia, continuava a examinar o pequeno, arfando como um animal, ostentando umas largas narinas, que tremiam como as de um lobo. Ainda lhe conhecia o cheiro. Ricardo podia senti-las a farejar ansiosamente.
Darkmoon apontou-lhe a arma, como se estivesse a tentar imobilizá-lo. Ricardo conseguira ver-lhe a mão. Na verdade não era uma mão, era uma garra. Tinha uns dedos ossudos e volumosos. Tirou o chapéu, deixando cair a sua longa e farta cabeleira sobre os ombros. Foi quando Ricardo viu que a face de Darkmoon era coberta de queimaduras. Era uma face hedionda e deformada.
Darkmoon, não atacou Ricardo. Percebeu que lhe tinham armado uma cilada. Desta vez não seria surpreendido. Tal como os seus opositores, Darkmoon, adoptara a sua própria estratégia para a vingança.
-Sabes Albuquerque... – Grunhiu – Eu não sou uma alucinação. Eu sou o dono da tua mente e da tua vida. Eu sou, o dono do teu destino.
- És um ser sem alma, Darkmoon! – Interpôs Acácio.
-E a tua mulher, a tua querida Filomena? - Gozou o Conde – Fui eu que a matei naquela noite. Ah, como ela grunhiu, suplicando para que não a matasse...
Nesse momento, Acácio escapou-se do local onde estava escondido e correu como um louco em direcção a Darkmoon. Puxou da sua caçadeira e apontou para ele. Tranquilamente, Darkmoon desarmou-o e apenas com o dedo polegar e o indicador, elevou o velho Acácio em peso no ar, apertando-lhe a traqueia. Acácio parecia uma marioneta a tremelejar ao vento. -Eu sou a tua vida, velho, mas também sou a tua morte! – Rosnou o ser, enquanto lhe prensava o pescoço. Ricardo abdicou do plano que estava delineado e tentou ajudar o velho Acácio, que já estava roxo e à beira da asfixia, pendurado entre os dedos de Darkmoon.
Ricardo deteve-se, quando percebeu, que mesmo em dificuldade, o velho Acácio lhe fizera um gesto com a mão para esperar. Por fim, Darkmoon soltou o velho Acácio, deixando o no chão, meio aniquilado.
O Conde voltou a contemplar o Barracão. Procurava por Ricardo, que exibiu a cabeça por trás de um monte de feno.
-Estou aqui, palhaço! – Berrou o miúdo, chamando-lhe a atenção.
O conde deu dois passos em frente e inesperadamente, sentiu o chão fugir-lhe dos pés. Uma grande fossa abriu-se sob ele, engolindo-o lá para dentro. Tratava-se de fosso que fora escavado de propósito para ele. Caíra em cima de algo mole, que amortecera a sua queda. Olhou em seu redor e viu-se envolto por dezenas de cobras de todos os tamanhos e de todas as cores. Viscosas e entrelaçadas, amontoavam-se, umas em cima das outras, movendo-se em direcções alternadas. Tentou disparar sobre as cobras, mas apercebera-se de que a sua estimada Pedersoli estava perdida no meio daquele amontoado de serpentes. Darkmoon seria devorado num ápice. Curioso, Ricardo acercara-se do fosso. Queria ter a certeza que o plano tinha dado certo. Queria assistir de perto à morte do monstro que o atormentara através de pesadelos, toda a vida. Envolto no meio das cobras e já em sufoco, esticou bruscamente o braço e alcançou a bainha das calças do garoto, levando-o a cair também para dentro do fosso repleto de cobras – Darkmoon tinha-o apanhado.
-Socorro! Acácio, tire-me daqui! Tire-me daqui depressa! – Gritou ele a chorar. Gesticulava, desesperadamente. Acácio agarrou num tronco comprido e correu em direcção ao fosso. Deu a extremidade do tronco a Ricardo, que o segurou com toda a força, até que foi arrancado do meio das garras do inimigo, que já se preparava para o estrangular.
Acácio Trigueiro retirou o diário maldito do seu bolso e bradou:
-Estão aqui as tuas memórias, Conde! Eis o que resta de ti: um diário! Não passas de uma memória retida no tempo! Exibiu o diário no alto, para que Darkmoon o visse. De seguida pegou fogo ao livro amaldiçoado do Conde e atirou-o para cima dele.
Nesse momento, as labaredas do livro apoderaram-se do traje do Conde e este fora invadido pelas chamas.
-AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHH! -Grunhia desesperadamente, enquanto as cobras lhe invadiam o corpo para fugirem do fogo.
Ricardo fora imediatamente aconchegado por Acácio.
Ambos permaneceram quedos a observar a destruição do monstro no fundo do fosso, teimando em confirmar que o plano do velho Acácio resultara na sua plenitude.
Acácio preparara aquela emboscada a Darkmoon, há alguns anos atrás. Fora ele quem atraíra as cobras para aquele local. Posteriormente ergueu o barracão por cima do fosso e recheou-o com feno para atrair insectos e roedores para servirem de alimentação às cobras.
-Acho que já não há mais nada para fazer aqui! – Disse Acácio
-Sim! – Anuiu Ricardo.
Afastaram-se do barracão que já ardia também. Ricardo ainda olhou para trás. Queria ter a certeza, de que aquele monstro demoníaco tinha ficado, mesmo prostrado no meio das cobras. Não havia vida. Apenas chamas a destruir as madeiras e o feno que restava no celeiro. Sob as labaredas estaria Darkmoon. Ardia no inferno.
Epílogo
Darkmoon fora imaginosamente derrotado. Fora um inimigo brutal, muito mais do que uma alucinação, um pesadelo ou uma ameaça espectral. Uma sombra perversa que acompanhou aquelas duas “almas” durante cento e noventa anos. Foi o responsável pelas suas derrotas, mas também, pelos seus êxitos. Afinal, ele manteve-os vivos para que as suas vidas, apenas a “ele” pertencessem. Só Assim poderia pôr fim à sua longa e espinhosa caminhada: vingar a sua morte e retornar à vida. Darkmoon estava finalmente morto! Ricardo e Acácio Trigueiro ficaram para sempre unidos pelo condão mágico da vida: A amizade.